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Jaca, um alimento muito rico em nutrientes

Jaca – alimento rico em nutrientes, ou um invasor tão grande que, quando cai das árvores, pode derrubar os ciclistas das bicicletas?

  • A polpa da jaca invasora é rejeitada por muitos brasileiros, mas os defensores dizem que ela é repleta de nutrientes e deliciosa
  • Há um debate intenso sobre o que fazer depois que uma das frutas gigantes caiu sobre um ciclista, derrubando-o – matar as árvores ou colher as frutas para alimentar

Certa manhã de fevereiro, um ciclista subia as curvas da estrada de ciclismo esportivo mais popular do Rio de Janeiro. O cheiro familiar de jaca, vagamente enjoativo e cheio de perigo, flutuava no ar.

Sem aviso, uma fruta caiu da copa pesada do Parque Nacional da Tijuca. Atingiu a cabeça do ciclista, quebrando seu capacete e fazendo-o cair esparramado.

As jacas são abundantes durante o verão do hemisfério sul, mas muitos brasileiros não gostam de comer sua carne.

É considerada uma espécie invasora, mesmo tendo chegado ao Brasil há séculos. Os ecologistas desdenham-no por expulsar espécies nativas da Mata Atlântica do Brasil – especialmente do parque da Tijuca, uma das maiores florestas urbanas do mundo.

Uma grande jaca está no chão no Parque Nacional de Ubajara, Ceará, Brasil. A fruta foi introduzida no Brasil há séculos pelos colonizadores portugueses. Foto: Getty Images

Os ciclistas divulgaram a notícia do acidente da jaca em grupos de mensagens e no Facebook, acusando a fruta de agressão. Um postou que ele havia escorregado na jaca. Outros compartilharam situações difíceis, como uma jaca explodindo tão perto que atingiu os raios de uma bicicleta com estilhaços. Andar sob a jaca, disse outro, era como uma roleta russa.

A indignação que se espalhava era um problema potencial para Marisa Furtado e Pedro Lobão, casal que defende a jaca. Furtado, 57 anos, bebe smoothie de jaca todos os dias. Ela sonha com uma peregrinação ao local de origem da jaca, a Índia.

Pedro Lobão amarra uma jaca no Rio de Janeiro para baixar para sua companheira Marisa Furtado abaixo. Foto: AP

Ela e seu companheiro de 54 anos, Lobão, coletam jacas verdes das árvores, processam-nas para venda, doam tudo o que não conseguem descarregar e compartilham receitas gratuitas. Ela recita os pratos – bacalhau de jaca, lasanha de jaca, torta de jaca, lombo de jaca – e insiste que são saborosos e nutritivos.

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Quando os brasileiros consomem jaca, ela é consumida principalmente madura, com polpa com gosto de uma combinação de pêra e banana; A jaca verde pode ser usada em pratos salgados.

No elegante bairro de Ipanema, no Rio, a entrada mais vendida do restaurante vegetal Teva são os tacos de jaca para churrasco, diz o chef Daniel Biron. Sua clientela costuma se surpreender com o novo sabor. “Eles começam a abrir a mente para um universo que não conheciam”, acrescenta. “A jaca tem essa capacidade.”

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Regina Tchelly, que nasceu no estado do nordeste da Paraíba e dirige o projeto culinário Favela Organica no Rio, gostava de polpa de jaca e sementes torradas quando era menina.

Em 2018, com o dinheiro apertado, ela sonhou com bolinhos de frango desfiado feitos de jaca. Vendeu loucamente, diz ela, acrescentando que a jaca poderia ajudar a reduzir a fome no Brasil, uma nova preocupação depois que o governo encerrou os pagamentos de assistência social da Covid-19.

É uma herança que precisa ser valorizada, do ponto de vista social, econômico, cultural e ambiental. Erradicá-la seria um grande erro

Marisa Furtado

“É um alimento muito abundante e a jaca pode trazer muitos nutrientes para o corpo e ser fonte de renda”, diz Tchelly.

No século XVII, os portugueses transportaram mudas de jaca para o Brasil e a árvore logo chegou ao Rio, segundo Rogério Oliveira, especialista em história ambiental e ecológica da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio. A floresta do Rio estava sendo desmatada para plantações de madeira, carvão, café e cana-de-açúcar, acrescenta.

A jaca prosperou no solo degradado e produziu frutos gigantescos que caíram no chão e caíram colina abaixo, espalhando sementes. As árvores, que podem atingir 25 metros de altura, criaram raízes, fixando o solo e alimentando os animais.

O chef Daniel Biron segura um prato de seu aperitivo mais vendido, tacos de jaca grelhados, no restaurante vegetal Teva, no Rio de Janeiro. Foto: AP
Biron prepara o aperitivo de jaca grelhada na cozinha do restaurante Teva. Foto: AP

“Antes, a retirada das jaqueiras era uma questão interna do parque. Mas agora há jacas ameaçando vidas”, diz Raphael Pazos, 46 anos, fundador da Comissão de Segurança Ciclística do Rio de Janeiro. “Se ele não estivesse usando capacete, ou se tivesse caído sobre uma criança de quatro anos, poderia ter matado.”

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Furtado tem tentado acalmar o clamor orientando os ciclistas a mapear a localização das jaqueiras, afixando cartazes sobre seus benefícios e organizando a coleta de frutas. Ao longo da estrada, diz ela, a jaca poderia ser apanhada através de uma grua montada num camião e depois doada às comunidades vizinhas, com a sua organização Hand in the Jackfruit a realizar workshops para ensinar a arte pegajosa e trabalhosa de processar a fruta.

Ela reconhece a importância da diversidade, mas argumenta que um residente brasileiro centenário não deveria ser expulso do jardim.

“É uma herança que precisa ser valorizada, do ponto de vista social, econômico, cultural e ambiental”, postou no Instagram. “Erradicar isso seria um grande erro e parte da arrogância de quem não percebe que a vida é dinâmica.”

A chef Regina Tchelly (à esquerda) descasca sementes de jaca no Favela Organica, projeto culinário que dirige no Rio de Janeiro. Foto: AP
Sementes de jaca descascadas enchem uma tigela no projeto culinário de Tchelly, Favela Orgânica. Foto: AP

O ambientalista Oliveira diz que não há dúvidas ecológicas de que espécies nativas deveriam substituir a jaca no Parque da Tijuca. Mas nas áreas urbanas é fruta gratuita para pessoas que nem sempre têm acesso a ela e aparentemente não é tão invasiva como se pensa, diz ele.

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A árvore se torna hiperdominante onde o solo está degradado, mas um experimento com suas sementes encontradas não germinou em floresta robusta. Ele acredita que as populações deveriam ser controladas através do anelamento: cortar um anel de casca, que geralmente mata uma árvore em meses. O governo priorizou a erradicação da jaca no Parque Nacional da Tijuca.

Alguns dias depois do acidente da jaca, ciclistas da comissão de segurança se reuniram na entrada do parque da Tijuca. Eles abraçaram a proposta de Furtado de coletar e distribuir jaca às comunidades do entorno.

Visitantes passeiam e andam de bicicleta pelo Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro. Foto: AP

“Nem sabíamos que existia uma associação que fizesse isso”, diz Pazos. “Não há como não gostar da ideia de dar comida à população.”

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Mesmo assim, eles ainda preferiam cercar todas as jaqueiras à beira da estrada. Ele ressaltou que outra jaca havia caído ladeira abaixo, bem no meio da estrada.

Furtado admite que algumas árvores à beira da estrada poderiam ser removidas como último recurso, caso a colheita ou poda se revele impossível, e após um cuidadoso estudo de impacto. Ela se opõe veementemente ao anelamento ou ao herbicida e acredita no manejo por meio do consumo.

“Se comermos a jaca e suas sementes”, disse ela, “podemos contê-las”.

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